“Seu maior legado foi mostrar que o humor não é entretenimento, mas instrumento de lucidez. Perdemos o homem, mas seu traço — como ele dizia — ‘sobrevive na gargalhada que ecoa depois do jornal amarelar’.”
Faleceu nesta segunda-feira, aos 92 anos, o cartunista Jorge Braga, um dos mais influentes e premiados artistas gráficos do Brasil. Nascido em Patos de Minas, Braga consagrou-se nacionalmente através de charges e caricaturas que misturavam ironia fina, crítica política e um olhar profundamente humano sobre a sociedade. Seu traço — marcante e elegante — circulou por décadas em veículos como O Popular, Correio Braziliense, Jornal do Brasil e revistas como Veja e IstoÉ.
Ao longo de sua trajetória, ele provava que o riso pode ser afiado sem ser cruel, político sem ser panfletário. Um equilíbrio raro entre denúncia e generosidade que poucos dominam hoje.
“Seu maior legado foi mostrar que o humor não é entretenimento, mas instrumento de lucidez. Perdemos o homem, mas seu traço — como ele dizia — ‘sobrevive na gargalhada que ecoa depois do jornal amarelar’.”
Braga transformou sua origem sertaneja em linguagem universal: criou o emblemático personagem “Jorginho”, uma autorretrato de chapéu de palha que se tornou símbolo de resistência e identidade goiana. Seu lápis interpretou presidentes (de Figueiredo a Lula), denunciou injustiças e, sobretudo, humanizou o poder. Durante a ditadura militar, teve charges censuradas, mas nunca abandonou o humor como forma de combate pacífico. “Desenhar é respirar”, costumava dizer, e seu compromisso com a arte sobreviveu até mesmo a um AVC em 2015, após o qual continuou produzindo com dedicação.
Sua carreira foi coroada com prêmios internacionais, incluindo o prestigiado Nobel de Cartuns (Noruega, 1986), e reconhecimentos nacionais que o firmaram como referência ética e estética no jornalismo gráfico. Braga deixou como legado não apenas milhares de trabalhos publicados, mas uma escola de pensamento: a de que o humor pode ser ao mesmo tempo afiado e generoso.
Deixa a esposa Lília Braga, companheira por 54 anos, filhos, netos e uma legião de admiradores que cresceu lendo seus traços diários. Em Goiás — onde sempre residiu e inspirou gerações de artistas —, sua partida é sentida como a perda de um patrimônio afetivo do Cerrado. Jorge Braga não desenhava apenas personagens: desenhava almas. E sua obra, agora, torna-se memória viva da história política e cultural do Brasil.
Quebrando as regras…
“Não é de bom tom que um repórter derrame opinião em suas matérias, mas diante da partida de Jorge Braga, quebrem-se as regras. Escrevo não como jornalista, mas como goiana que cresceu vendo seu lápis desenhar a alma do Brasil. O cartunista morreu hoje, aos 92 anos, e leva consigo um pedaço do que fomos.
Perdemos mais que um artista: perdemos o cronista visual que transformou charge em poesia política. Braga colonizou o humor nacional sem jamais perder o sotaque do Cerrado. Seu ‘Jorginho’ — autorretrato de chapéu de palha e olhar esperançoso — era o Brasil profundo que observava o poder com ironia e ternura. Nas páginas dos principais jornais e revistas de Goiás e do Brasil, seu traço sintetizou décadas de história: da censura na ditadura (quando riscou verdades sob risco) aos sonhos da redemocratização.
Jorge não caricaturava pessoas: revelava humanidade. Desenhava Figueiredo, Sarney ou Lula sem ódio, mas com um humor que expunha fragilidades e grandezas. Ganhou o Nobel de Cartuns da Noruega em 1986 não pela ferocidade, mas pela generosidade inteligente. Mesmo após o AVC em 2015, segurou o lápis como quem segura um fio de vida — até a última semana riscava papéis na cadeira de rodas, resistindo com a dignidade que sempre desenhou nos outros.
Eu e todos os seus amigos de jornal, de ‘buteco’, de carnaval, de piada e leitores estamos órfãos do seu olhar. Para nós goianos do pé rachado, sua morte é como arrancar uma raiz: ele nos fazia lembrar com leveza quem éramos e quem somos pós-evolução do lápis nanquim para o digital.
Jorge Braga não morre, claro. Sobrevive nas charges amarelecidas de arquivo, nas gargalhadas que cortaram o medo, no chapéu de palha do Jorginho — agora símbolo eterno de que arte verdadeira não se apaga. Descanse, mestre. E obrigado por nos ensinar que, mesmo nas trevas, um traço de nanquim pode ser farol. Por aqui, com os olhos embanhados em lágrimas e com o olhar perdido no horizonte me vejo buscando no céu a certeza de que seus traços firmes e precisos nunca se esvairão.
. Meu amigo, obrigada por me ensinar que para ser firme na vida é como preciso tratar as intempéries como se manuseia um lápis: com a leveza da alma e a precisão da sabedoria. Vá traçar outros traços do outro lado da linha. Vá brilhar em outro canto, mas sem levar seu conto.”
Patrícia Santana
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